Saudações pessoal!
Depois de um longo período sem novas publicações, estamos finalmente retomando nossos trabalhos para trazer para vocês mais informações sobre o vasto mundo dos materiais. E nesta semana vamos explorar um instrumento que teve e ainda tem enorme importância no desenvolvimento da ciência e tecnologia dos materiais…
A ideia de ver os mínimos detalhes das coisas que nos cercam levou o homem à invenção de uma das ferramentas mais usadas hoje para a caracterização de materiais. Tenho certeza de que todo mundo já ouviu falar dessa importante ferramenta e, provavelmente alguns de vocês provavelmente já a utilizaram! É o microscópio óptico.
O microscópio óptico mais rudimentar que pode ser fabricado é baseado numa única lente de aumento. Provavelmente você já viu lentes feitas de vidros ou de plásticos como o acrílico ou o policarbonato. Se você usa óculos, essas lentes andam com você o tempo todo. Mas a tecnologia necessária para o desenvolvimento de lentes de aumento transparentes e de qualidade só foi possível após a invenção do vidro transparente que ocorreu na Itália, no século XIII.
Mesmo assim, há relatos muito mais antigos sobre o uso de lentes de aumento. O primeiro relato sobre a criação de imagens ampliadas foi de Sêneca, no ano 1 d.C, onde um frasco contendo água foi utilizada para gerar a imagem aumentada. Posteriormente, pedaços esféricos de minerais transparentes também foram empregados para a criação de lentes de aumento.
Contudo, o desenvolvimento de vidros transparentes foi fundamental para o avanço de instrumentos como o microscópio. A transparência dos vidros se deve à sua estrutura amorfa (vimos isso em outra publicação) e à ausência de impurezas.
Os microscópios que usamos hoje em dia não são microscópios simples, com uma única lente. Nos chamados microscópios compostos, a magnificação é alcançada com duas ou mais lentes. Os primeiros microscópios compostos foram fabricados na Holanda no final do século 16. Não está claro quem construiu o primeiro, mas de acordo com as evidências disponíveis, parece que foi Zacharias Janssen, um criador de lentes de Middleburgh.
Teoricamente, os microscópios compostos deveriam ser instrumentos muito melhores do que microscópios simples (com uma única lente) porque eles deveriam ser capazes de alcançar ampliações maiores. No entanto, os primeiros microscópios compostos apresentavam diversas aberrações ópticas que comprometiam seriamente a qualidade das imagens. As “aberrações ópticas” causam distorções nas imagens produzidas pelas lentes esféricas, impossibilitando a obtenção de imagens fidedignas em altas magnificações. As principais aberrações são a aberração cromática, aberração esférica, coma, astigmatismo, curvatura de campo e distorção.
Por esta razão, até o século 19, os microscópios simples superavam os microscópios compostos. Por exemplo, o microscópio composto de Robert Hooke, fabricado em Londres por Christopher White por volta de 1670, embora bom o suficiente para permitir que Hooke se tornasse a primeira pessoa na história a observar microrganismos, foi superado em desempenho pelo microscópio simples que foi construído alguns anos depois por Antonie van Leeuwenhoek, um vendedor de tecidos de Delft.
Figura 1 – (à esquerda) ilustração do microscópio composto de Hooke. (à dir.) microscópio simples de Leeuwenhoek. Fontes: [1,2]
Inicialmente, a intenção de van Leeuwenhoek era obter imagens ampliadas dos fios que ele tinha em sua loja de cortinas. No entanto, ele logo percebeu que seu microscópio também permitia ver seres minúsculos que ele chamou de “animalcules”. Esses “animalcules” eram o que hoje chamamos de organismos unicelulares, como bactérias e protozoários.
Quando as aberrações ópticas que prejudicavam o desempenho dos microscópios compostos foram resolvidas com sucesso, na primeira metade do século XIX, a microscopia óptica experimentou um enorme salto na qualidade da imagem e os detalhes que até então eram invisíveis puderam finalmente ser observados com clareza.
Os microscópios compostos melhorados foram fundamentais no desenvolvimento da teoria celular, que foi enunciada em 1839 por Schleiden e Schwann. De acordo com essa teoria, tanto os animais quanto as plantas são compostos de unidades fundamentais da vida, chamadas células. Nas ciências dos materiais, o microscópio óptico foi fundamental para que fosse possível entender a microestrutura dos materiais e como as características microestruturais (tamanho de grãos, fases presentes, contornos, enre outras) estão relacionadas ao processamento dos materiais e suas propriedades físico-químicas.
O desempenho do microscópio composto continuou a melhorar durante a segunda metade do século XIX. Muitas das inovações foram introduzidas por Ernst Abbe, professor da Universidade de Jena e coproprietário da Carl Zeiss AG, uma empresa que ainda é famosa pela fabricação de lentes, entre muitas outras coisas.
Além de criar invenções como o sistema de lentes apocromáticas (que reduzem significativamente as aberrações ópticas), Abbe foi o primeiro a perceber que, devido à própria natureza da luz e, em particular, devido a um fenômeno conhecido como difração (já falamos, por exemplo, sobre difração de raios X em outro artigo), os microscópios ópticos nunca seriam capazes de distinguir entre objetos separados por uma distância de 200 nanômetros ou menos. Em outras palavras, dois objetos separados por tal distância sempre se pareceriam com um único objeto sob um microscópio óptico. Essa distância, que ficou conhecida como limite de difração de Abbe, é aproximadamente 10.000 vezes menor do que o diâmetro da cabeça de um alfinete.
No entanto, hoje disfrutamos de ferramentas muito poderosas, como os microscópios eletrônicos. Mas este é um assunto para outro artigo.
Fontes:
[1] https://pt.wikipedia.org/wiki/Ficheiro:Hooke-microscope.png
[2] https://wellcomecollection.org/works/d6pfvrcn